Poder me soltar

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Poder fugir. Não fugir, isto é errado. Poder encarar e perceber que isto não me faz mais bem. Perceber que isto chega a me prejudicar. Poder correr não de medo, mas com vontade de conhecer novos horizontes. Poder estar satisfeita novamente sem precisar de um motivo claro para isso. Poder ser feliz simplesmente porque sou, sem precisar que algo bom me aconteça para me trazer esse sentimento temporariamente. Poder acordar todo dia com um sorriso estampado no rosto, sabendo que como todos os anteriores, será ótimo, independente do que aconteça. Poder ter prazer em respirar. Alegrar-me com os dias de frio e de calor. Rir à toa. Poder ser independente. Poder me sentir viva. Viver!
Tudo o que eu quero é voltar a viver como antes. Sem precisar de ninguém para isso.
Tudo o que eu quero é me libertar.


Ela

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Quando ele se foi, deixou como lembrança as lágrimas que escorriam pelo rosto vermelho e quente dela. Eram tantas que a visão já estava turva e a boca sentia o gosto salgado. Ela sequer tinha forças para levantar as mãos e enxugar a face com as mangas do casaco que eram compridas demais. Ela ficou lá, parada, enquanto ele lhe dava as costas e ia se distanciando sem pressa nenhuma, afinal, ele já tinha feito o que devia fazer. E ele estava cada vez mais e mais longe, até que sumiu entre as pessoas. E ela ainda não conseguia se mexer. O aperto da garganta não cessava. O choro silencioso dela não era ouvido por ninguém. E se fosse que diferença faria?
E ela sentiu-se vazia. Não sabia viver assim, sozinha. Tudo o que lhe enchia a alma de alegria havia desaparecido e sido substituído por todo aquele desespero avassalador em um tempo mínimo. Todas as suas esperanças, promessas, planos... Sumiram. E o vazio no peito parecia aumentar para todo o seu corpo rápida e cuidadosamente, preenchendo-a por inteiro sem piedade nenhuma.
Ela subitamente correu. Correu como nunca antes na vida. Correu sem direção, sem sentido. Não sabia para onde ir. Não tinha para onde ir. Correu até não agüentar mais. Correu até não saber aonde estava. E parou. Caiu de joelhos e se deixou mergulhar naquilo tudo que a corroía. A verdade é que ela não sabia mais viver. Ela não existia sem ele.